Carolina Delgado é uma fotógrafa e arquitecta portuguesa que vive e trabalha em Lisboa. Desde os tempos de Faculdade, que começou a desenvolver projectos de fotografia focados em documentar arquitectura. 
Abriu o seu próprio estúdio de fotografia em 2016, especializou-se na fotografia de arquitectura e, desde então, tem colaborado com inúmeros ateliers portugueses. Já conta com 7 anos de experiência, realizando mais de 100 reportagens fotográficas encomendadas.
Recentemente, no início do ano de 2023, as fotografias que tirou ao “Centro de Eventos do Convento do Beato”, projecto realizado pelo atelier RISCO, foram premiadas pelo site ArchDaily como “Building of the Year”, na categoria de “Best Apllied Products”.

Centro de Eventos do Convento do Beato, Lisboa, 2022  (f. digital)

BM – Boa tarde Carolina, gostava de começar pelo princípio. Sendo a fotografia, uma ferramenta por ti utilizada de forma a registares um determinado fragmento da realidade, tornando-o teu para mais tarde recordares. Porquê a escolha da fotografia para fazer esse registo, em vez do desenho ou da escrita?
CD - Boa tarde Bráulio, como bem sabes, nos tempos de faculdade, nós e o nosso grupo de amigos sempre pensamos que seria importante fazermos viagens durante o curso de arquitectura, para ganharmos alguns conceitos e adquirir experiências espaciais que só se adquirem visitando. Com isso, a primeira forma que utilizamos para registar os edifícios ou as paisagens nessas viagens foi através do desenho, no entanto, para mim, logo a partir da segunda viagem, percebi que só o desenho não me chegava, então, pensei logo que outras formas existiriam para registar aqueles momentos, para poderem ser reutilizados no futuro, tanto no curso como noutras experiências artísticas pessoais. Foi assim que surgiu a fotografia, de uma forma natural. A partir daí, passei sempre a fotografar e a registar todos os pormenores e experiências que fui adquirindo em cada viagem.
BM - Mesmo nascendo de uma forma natural, quase como um hobbie, e sendo a tua formação em arquitectura, gostava de tentar perceber como é que a tua fotografia evoluiu, passando de um registo mais informal, de fotografar em viagem, para um registo mais profissional, de fotografares para outros ateliers de arquitectura e design?
CD - No final da Faculdade, percebi que alguns registos fotográficos que ia fazendo em cada viagem, acabavam por ser interessantes, e com isto, podia começar a montar um pequeno portfolio de cada lugar visitado. Com isto, achei que era interessante juntar as melhores fotografias e fazer um portfolio online, um site em que pudesse mostrar essas viagens. Depois perguntei-me a mim mesma: Porque é que não utilizo este portfolio online para mostrar a minha visão das cidades e de certos edifícios a alguns ateliers de arquitectura? Será que eles estariam interessados que eu fotografasse os seus projectos? Penso que este tipo de iniciativas advém muito da nossa geração de arquitectos, que como costuma ter algumas dificuldades no início da carreira, tem tendência em explorar outros meios artísticos para se expressar. Achei logo que a fotografia seria um ótimo complemento à minha profissão de arquitecta, não só pela experiência que proporciona mas também pelas questões que a fotografia pode trazer à arquitectura e vice versa. Uma com a outra podem enriquecer-se.
Mosteiro Real Santa Maria de Guadalupe, Espanha, 2017 (f. digital)

Pola de Somiedo, Espanha, 2018 (f. digital)

BM – Contudo, não tendo tu estudado o lado mais técnico do enquadramento fotográfico ou da teria da imagem, enquanto fotógrafa arquitecta, como é que foste ganhando as “skills” de uma fotógrafa profissional?
CD - No início, penso que foi por ir experimentando e fotografando várias vezes, tanto nas viagens como nas reportagens. Até acho que hoje em dia fotografo melhor do que no início, o que é bom sinal! (risos) Pesquisei vários fotógrafos, tive de conhecer várias obras, tentar perceber os enquadramentos das fotografias. Aprendi bastante com vídeos no youtube, sobretudo sobre o lado mais técnico da fotografia e da pós-produção. Mais à frente, cheguei a conhecer alguns fotógrafos com mais experiência, com os quais fui falando e perguntando como é que poderia melhorar a minha fotografia. Mas penso que o que me deu mais “skills” foi mesmo a experiência, porque uma pessoa vai fotografando e vai percebendo o que é que resultou melhor numa reportagem ou pior noutra. Com isso, tento agora ter um bocadinho mais de tempo e paciência nas reportagens que vou fazendo, porque hoje em dia, as reportagens têm “janelas de tempo” muito curtas para serem realizadas. Para mim, uma boa reportagem necessita de foco e paciência, até para que na fase final, as fotografias não necessitem de muita pós-produção.
BM – Como referiste, tiveste que estudar outros fotógrafos. Fala-me daquele ou daqueles fotógrafos que são uma inspiração para ti?
CD - ​​​​​​​Por exemplo, a nível de fotografia de rua ou cidade, gosto bastante do fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson, faz belíssimos enquadramentos. No final da faculdade conheci o fotógrafo português Artur Pastor, cujo trabalho me inspirou imenso, apesar do seu carácter jornalístico de cariz mais social. Contudo, fotógrafos mesmo especializados em fotografia de arquitectura, gosto imenso da fotógrafa franco-suíça Hélène Binet. Uma das principais razões pelas quais gosto desta fotógrafa, passam não só por ela se manter fiel à fotografia analógica, mas também pela calma e paciência que transparecem as suas fotografias. Penso ainda que as suas fotografias são muito bem pensadas, e acho que esse facto ajuda a definir uma boa fotografia.
BM – Incidindo agora no trabalho que tens realizado durante estes 7 anos. Ao passar pelo teu portfolio online, reparei que organizas o teu trabalho em três grandes capítulos; 1 - Edifícios Singulares, 2 - Reportagens e 3 - Paisagens. Pelo que consegui perceber, Edifícios Singulares, mostra a colecção de várias fotografias tiradas a edifícios “especiais” que vais encontrando durante as tuas viagens. Reportagens, mostra a colecção de várias fotografias que outros ateliers te contrataram para tirar. Qual a principal diferença entre tirar fotografias a um edifício singular ou a um edifício “encomendado”?
CD - A razão pela qual separei os dois capítulos tem a ver com duas maneiras diferentes de fotografar edifícios. Nas viagens, tenho sempre um bocadinho mais de liberdade, derivada do tempo que tenho para fotografar. Vai-me apetecendo e vou fotografando, ou posso alternar, entre usar uma máquina analógica ou digital, e isso faz com que possa experimentar diferentes enquadramentos, jogos de luz, etc. Portanto, o capítulo dos Edifícios Singulares, acaba por representar algumas experiências que faço. E se no final resultarem bem, publico-as no meu portfolio online. Numa reportagem, estou sempre um pouco mais limitada, pois tenho sempre de respeitar o que os arquitectos me pedem para fotografar. Existem alguns “limites fotográficos” que tenho de respeitar, parâmetros a que tenho de responder, mas que também me dão bastante prazer a fotografar, contudo, é um trabalho diferente do primeiro. Por vezes chega a ser mais técnico e menos natural.

Serralves, Porto, 2019 (f. analógica)

Serralves, Porto, 2019  (f. analógica)

BM – Então e as fotografias de paisagem? Olhas para uma paisagem como olhas para um edifício?
CD - Se a paisagem estiver na continuação da mesma viagem onde visitei o edifício, posso ter um olhar semelhante, mas acho que na sua génese, é diferente fotografar uma paisagem de um edifício. Uma paisagem é algo que se estende para lá do horizonte, no plano horizontal. É por isso, uma fotografia mais simples de se tirar, pois os elementos da natureza estão tão bem estruturados e organizados, que por si só, já conta com imensos enquadramentos bonitos e interessantes. Uma paisagem está sempre bem enquadrada. Num edifício, preciso sempre de tempo para ir à procura dos enquadramentos. Para mim, é mais fácil fotografar uma paisagem.
BM – Na tua fotografia de arquitectura, por vezes parece que o teu olhar se foca muito nos pormenores, ou seja, nas partes constituintes de um edifício, uma porta, uma janela, uma escada, etc. Nas paisagens também são importantes os pormenores?
CD - Sim, na paisagem também gosto de fazer fotografias de pormenor, mas por vezes também procuro fotografias de enquadramento geral. Penso que são formas de pensar diferentes. Para mim, fotografar uma paisagem é quase como pintar um quadro impressionista, onde tento enquadrar e organizar com muito cuidado, os elementos principais que a constituem. Tento sempre escolher o melhor ponto de vista para esses enquadramentos. Mas na minha opinião, organizar esses elementos não é tão trabalhoso como organizar elementos de uma rua, de uma cidade ou de um edifício, pois existe sempre demasiada informação, muito ruído.

Vila do Bispo, Costa Vicentina, 2020  (f. analógica)

BM - Também reparei que vais variando de tipo de máquina, dependendo se estás em viagem ou em reportagem. Para ti, qual a diferença entre fotografar com uma analógica ou com uma digital?
CD - ​​​​​​​No início, comecei por fotografar com a máquina digital, tanto em reportagens como em viagens. Contudo, fui percebendo que esse tipo de máquina era bastante pesado para levar nas viagens, ainda por cima, fazia com que a experiência de fotografar em viagem fosse muito semelhante à experiência de fotografar em reportagens. Comecei a perceber que não era bem isso que pretendia. Na altura, percebi que poderia ser mais enriquecedor para a minha fotografia, separar as duas experiências. Assim, quando pude, comprei uma Pentax K1000 em segunda mão. Voltei a ter que experimentar muito, até porque os primeiros rolos não ficaram nada de jeito, mas foi com muita persistência que comecei a obter resultados. A fotografia analógica fez com que tirasse menos fotografias e fez com que as minhas fotografias não precisassem de pós-produção (ou quase nenhuma!). A minha máquina analógica avariou na última viagem a Barcelona, depois disso senti a necessidade de arranjar outra alternativa. Optei por volta à máquina digital, mais leve e mais adaptada a viagens, uma Fujifilm xe4. Voltei a ter mais tentativas para errar e voltei a fotografar mais, no entanto, com o que aprendi com a analógica, tento não tirar demasiadas fotografias, pois esse “excesso” irá prender-me outra vez à pós-produção, e não é isso que eu quero numa fotografia de viagem. Numa fotografia de viagem eu quero é que as fotografias sejam rápidas e sucintas.

Salamanca, Espanha, 2019 (f. analógica)

Plaza de los Fueros, Vitoria, Espanha, 2019 (f. analógica)

BM – Incidindo agora nas Reportagens, para ti é mais interessante fotografar um edifício finalizado, ou fotografar um edifício durante todo o processo, desde a obra até à fase final?
CD - ​​​​​​​Depende do projecto, se for um projecto de pequenas dimensões, tipo um apartamento, basta fotografar na fase final. No caso do Convento do Beato, um projecto de grandes dimensões, tem sido bastante interessante acompanhar a evolução da obra desde o início. Tantas idas à obra, têm-me dado uma grande bagagem, o que fez com que fosse percebendo melhor o espaço. Estamos a falar de muitos espaços interiores e de grandes dimensões, ou seja, indo lá várias vezes, ganho tempo para os analisar e ler melhor, bem como, para perceber todas as intenções do atelier RISCO. Na minha opinião, as fotografias finais ficaram melhor do que eu estava à espera.
BM – No fundo, quando estás a acompanhar uma obra, está a apreender pequenos pormenores que mais tarde podem vir a ser úteis no teu atelier de arquitectura. Como é que a fotografia te ajuda directamente na prática profissional como arquitecta?
CD - A bagagem ou o conhecimento que trago da arquitectura, ajuda-me a perceber e a ler melhor os espaços, o que faz com que o resultado da fotografia seja melhor. Como sou uma arquitecta e fotógrafa jovem, sempre que vou fotografar os vários edifícios de ateliers diferentes gosto sempre de perguntar aos arquitectos algumas das suas opções de projecto. As respostas que eles me dão, às vezes dão-me pistas para resolver problemas no meu atelier.​​​​​​​​​​​​​​

Convento do Beato em obra, Lisboa, 2022  (f. digital)

BM- Numa era onde a fotografia ou a imagem é tão banalizada, onde qualquer pessoa consegue tirar uma “bruta” fotografia com o seu iPhone. Como é que achas que a tua fotografia é diferente e especial?
CD - Nunca fui de gastar demasiado dinheiro em máquinas fotográficas de alta resolução. Independentemente da máquina que utilizo para fotografar, penso que ela apenas deve ser uma ferramenta, boa o suficiente, de forma a acompanhar a minha visão e a minha maneira de fotografar. Normalmente, nas reportagens pedem-me sempre para tirar fotografias de grande angular, demasiado gerais, que incorporem todos os elementos do espaço. Na minha opinião, acho que essa nem sempre é a visão ou perspectiva mais realista. Ao utilizar aquele espaço, uma pessoa nunca terá aquela percepção. Com base nisso, prefiro fotografar certos pormenores importantes de um espaço, não revelar tudo, deixando sempre alguma curiosidade para quem está a apreciar a minha fotografia. É por essa razão que tenho preferência pelas fotografias de pormenor.
BM – Então o que achas das fotografias de drone?
CD - ​​​​​​​Eu não trabalho com drone. Normalmente, se me pedem fotografias de drone, eu trabalho em parceria com um colega que é especializado nessa área. Penso que as fotografias de drone são bonitas mas um pouco mentirosas, porque o edifício nunca vai ser visto de cima, àquela distância. Acho que isto também tem a ver com a minha visão de arquitecta e não só de fotógrafa, pois a minha fotografia é a minha forma de ver o mundo, e a minha visão tem a ver com a vivência real do espaço. Quando visito uma cidade, não vou ver a cidade de drone, vou estar na rua, a viver a cidade à escala dos seus habitantes. Isto tem a ver com a experiência física e real do espaço.
BM - Contudo, mesmo com essa identidade, hoje em dia a tua fotografia não escapa à pós-produção, certo?
CD - A questão da pós-produção tem mais a ver com o tipo de fotografia em questão. Por exemplo, uma fotografia de arquitectura pode ter pouca pós-produção, mas uma fotografia mais artística pode perfeitamente ter mais pós-produção, ou colagens, porque esse tipo fotografia funciona como uma peça única, uma obra de arte. Contudo, na minha fotografia de arquitectura, tento ser cuidadosa com o tempo, tentando não tirar “mil” fotografias por reportagem. Tirar menos e melhor, corrigir detalhes no lugar, para que no final, não seja preciso muita pós produção. Existem ainda pequenos erros de obra que não ficaram tão bem e que os arquitectos me pedem para retirar em pós-produção, mas isso não me chateia nada, faz parte do meu trabalho.
BM – Se levarmos o tema da pós-produção ao extremo, podemos falar que vivemos numa era digital, onde a Inteligência Artificial já cria fotografias que ganham concursos. O que achas deste tema?
CD - ​​​​​​​Há dias li uma notícia que falava que um fotógrafo criou uma fotografia digitalmente com recurso à Inteligência Artificial, e candidatou-se a um concurso e ganhou o primeiro prémio. Isto leva à triste conclusão que as pessoas não sabem distinguir uma fotografia tirada por uma pessoa, de uma fotografia gerada por uma máquina. Não faz sentido nenhum, quer na fotografia, quer em qualquer outro tipo de arte, ser utilizada a I.A. para criar ou substituir o trabalho de um artista no seu processo criativo. O trabalho criativo do ser humano é insubstituível. No meu caso específico, dá-me imenso gozo fotografar diferentes sítios e diferentes cidades. Nas reportagens, para mim é muito importante conhecer os arquitectos ou os clientes e aprender com eles. Nas viagens conhecer as cidades, os espaços, as pessoas, que nunca conheceria que não me tivesse deslocado. É esta vivência criativa que vai ajudar a criar a minha fotografia, e isso, a I.A. nunca vai poder substituir. E acho que devemos ter cuidado com este tema, porque o meio artístico que pode ser mais banalizado e prejudicado é o meio da fotografia.
BM - Para concluir, pergunto-te que qualidades tem que ter uma fotografia para ser considerada uma boa fotografia?
CD - No meu entender, existem vários tipos de fotografia, a fotografia artística, a fotografia de arquitectura, a fotografia de moda, o retrato, o fotojornalismo, etc., e cada uma delas tem um propósito bem definido, relativo sempre a um certo público. No entanto, já sabemos que na corrente artística, cada um tem o seu gosto, há pessoas que gostam e há outras que não gostam. Baseando-me na minha fotografia, para mim, uma boa fotografia, é uma fotografia que eu tive tempo, gosto e paciência a fotografar. Fazendo pós-produção ou não, é uma fotografia que eu tive vontade de imprimir, fazendo um quadro ou guardando num álbum, mas que passado alguns anos, volto a olhar para essa fotografia, relembrando-me da experiência que tive, e essa fotografia tem a capacidade de acrescentar algo ao que foi a experiência por mim vivida. Ou seja, se eu olhar para uma fotografia e pensar que na altura não estava muito inspirada, nessa situação, para mim, essa não é uma boa fotografia.

Villa Savoye, Poissy, França, 2023 (f. digital)

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